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quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Weber no Brasil


No Brasil, a influência do pensamento weberiano é dominada pela leitura liberal apologética. É de Weber que se retira a autoridade científica e a “palavra”, no sentido do “nome” e não do “conceito científico”, para a legitimação científica da noção central, ainda hoje, da sociologia e da ciência política brasileira: a noção de “patrimonialismo”, para indicar uma suposta ação parasitária do Estado e de sua “elite” sobre a sociedade.
Entre nós, no entanto, esse conceito perde qualquer contextualização histórica, fundamental em seu uso por Max Weber, e passa a designar uma espécie de “mal de origem” da atuação do Estado como tal em qualquer período histórico. Em Raymundo Faoro, por exemplo, que fez dessa noção seu mote investigativo - enquanto na maioria dos intelectuais brasileiros ela é um pressuposto implícito, embora fundamental -, a noção de patrimonialismo carece de qualquer precisão histórica e conceitual. Historicamente, na visão de Faoro, existiria patrimonialismo desde Portugal medieval, onde não havia sequer a noção de “soberania popular” e, portanto, não havia a separação entre bem privado (do rei) e bem público, já que o rei e seus prepostos não podiam “roubar” o que já era dele de direito.
Em segundo lugar, no âmbito de suas generalizações sociológicas, o patrimonialismo acaba se tornando, de forma implícita, um equivalente funcional para a mera intervenção estatal. No decorrer do livro de Faoro, o conceito de patrimonialismo perde crescentemente qualquer vínculo concreto, passando a ser substitutivo da mera noção de intervenção do Estado, seja quando este é furiosamente tributário e dilapidador, por ocasião da exploração das minas no século 18, seja quando o mesmo é benignamente interventor, quando dom João cria, no início do século 19, as pré-condições para o desenvolvimento do comércio e da economia monetária, quadruplicando a receita estatal e introduzindo inúmeras melhorias públicas.
A imprecisão contamina até a noção central de “estamento”, uma suposta “elite” incrustada no Estado, que seria o suporte social do patrimonialismo. O tal “estamento” é composto; afinal, quem o suporta e fundamenta? Os juízes, o presidente, os burocratas? O que dizer do empresariado brasileiro, especialmente o paulista, que foi o principal beneficiário do processo de industrialização nacional financiado pelo Estado interventor desde Vargas? Ele também é parte do “estamento” estatal? Deveria ser, pois foi quem economicamente e socialmente mais ganhou com o suposto “estado patrimonial” brasileiro.


Referência
Souza, Jessé (2011), "A atualidade de Max Weber no Brasil". Os clássicos do pensamento social, 3, 40-41

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